“O delegado de Carapicuíba, Zacharias Tadros, disse à TV Globo que Lobo esteve no local da prisão dos dois suspeitos de assassinar Paschoalin e tentou convencer os policiais militares para que liberassem a dupla.
Os suspeitos foram detidos perto do carro usado no crime, ocorrido minutos antes. O prefeito foi baleado quando chegava a uma rádio da cidade para gravar um programa. De acordo com as investigações, Lobo teria conseguido as duas armas para matar Paschoalin.
Para o delegado, a morte do prefeito foi arquitetada pelo ex-secretário municipal de Habitação da cidade, Wanderley Lemes de Aquino, 44, numa guerra por poder e dinheiro. Preso desde 16 de dezembro, Aquino nega. A principal ligação do ex-secretário com o homicídio é o fato de o filho dele, Patrick de Aquino, conhecer um dos sete suspeitos de envolvimento no crime. A polícia não informou se o ex-secretário conhecia o ex-PM.
De acordo com a polícia, Aquino foi o mandante e teve a ajuda do empresário Roberto Galvão, conhecido como Bolinho, que é dono de uma empreiteira que presta serviços de sinalização de trânsito para a prefeitura”
Ouvimos sempre falar em mandante do crime como aquela pessoa que manda outra cometer o crime em seu lugar. Mas que crime um mandante está cometendo?
A palavra ‘mandante’ não tem um significado jurídico. Para o mundo jurídico, existem autores, coautores, partícipes e autores mediatos. No dia-a-dia usamos o termo mandante para distinguir entre quem manda que o crime seja praticado de quem o executa. Mas mandar pode envolver várias coisas diferentes. Pode se referir a quem planeja, a quem ajuda a planejar, a quem lidera, a quem usa outra pessoa para executar sua vontade e assim por diante.
Quem manda que o crime seja executado está contribuindo de uma forma essencial para o resultado final. Se o mandante não houvesse dado a ordem, o capanga não teria o que executar. Dependendo do grau de envolvimento, o ‘mandante’ pode ser um coautor ou partícipe, que já vimos aqui e aqui.
Hoje vamos falar de algo diferente.
A jurisprudência divide os crimes em comuns, próprios e de mão própria, sendo que os comuns são todos aqueles que não caem em uma das outras duas categorias.
Crimes próprios são aqueles que só podem ser cometidos por determinadas classes de pessoas. Por exemplo, o peculato é um crime próprio porque só pode ser cometido por um servidor público. Apenas o servidor público que se apropria do patrimônio público está cometendo peculato. Se a pessoa não é servidora pública e faz a mesma coisa, o crime é outro: apropriação indébita. Mas se duas pessoas se apropriam indevidamente de bens públicos, sendo que uma era servidora pública e a outra não, a que não era servidora pública também terá praticado o crime de peculato. Como é que isso é possível? Isso ocorre porque um dos artigos mais enigmáticos de nosso Código Penal diz que "não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime" (art 30).
O que esse artigo diz é que se duas pessoas cometem um crime, o magistrado levará em conta, separadamente, as características e circunstâncias pessoais de cada uma. Por exemplo, se duas pessoas cometeram o crime mas uma estava bêbada, o juiz não tratará a segunda como se ela também estivesse bêbada. Se uma estava emocionalmente abalada, o juiz não julgará a que estava controlada como se ela também estivesse emocionalmente descontrolada.
Mas aquele mesmo artigo termina dizendo que “salvo quando elementares do crime”, e é aí é que entra o exemplo do peculato. Se os dois criminosos aproveitam-se do fato de que um deles é servidor público para apropriarem-se do bem do governo, os dois respondem pelo crime de peculato porque a condição de caráter pessoal (ser servidor público) de um deles era essencial (elementar) para que aquele crime fosse cometido. Logo, ambos respondem pelo crime de peculato, ainda que, em teoria, apenas quem é servidor público possa cometer aquele crime.
Os juristas também falam de um outro grupo de crimes, os chamados crimes de mão própria. Eles só podem ser cometidos por quem de fato agiu. É o caso do falso testemunho. Apenas quem está prestando o falso testemunho pode ser culpado desse crime. Não há como dizer que quem não estava lá mentindo na frente do magistrado possa ter mentido. Mas, dito isso, se outra pessoa instigar a testemunha a mentir, ela poderá ser considerada partícipe ou mesmo coautora daquele crime. É o caso do advogado que instiga a testemunha a mentir quando prestando depoimento ao juiz. Óbvio que só a testemunha estará mentindo na frente do juiz, mas sem que o advogado a tivesse instigado a mentir, ela não o teria feito. Logo, o advogado poderia, sim, ser considerado partícipe ou coautor, pois há o envolvimento de duas vontades: a de quem pede para a testemunha mentir, e a de quem aceita o pedido para mentir.
No caso dos crimes de mão própria, o que não é possível é o que os juristas chamam de autoria mediata, ou seja, quando o autor usa outra pessoa como seu instrumento para executar o crime. É o caso, por exemplo, do médico que, querendo matar o paciente, prescreve o remédio errado e a enfermeira, que é quem aplica o remédio, mata o paciente. Ela não queria e sequer sabia que o mataria. Ela foi apenas o instrumento do médico. Há apenas uma vontade (a do médico). A segunda pessoa (a enfermeira) era apenas o instrumento para cometer o crime. Se médico e a enfermeira queriam, juntos, matar o paciente, aí há coautoria (há duas vontades agindo em conjunto). Por outro lado, se ambos queriam matar o paciente, mas um não sabia da vontade do outro, aí só houve crime da enfermeira (que, por exemplo, viu que o medicamente prescrito mataria o paciente mas, como queria matá-lo, resolveu aplicá-lo assim mesmo). O médico, nesse caso, não seria punível pelo crime de homicídio porque sua conduta e a conduta que levou à morte são desconexas (usamos essa mesma matéria para falar de conexão ontem).
Como não há definição jurídica para o termo mandante, portanto, ele pode ser um coautor (quando duas pessoas agem de forma coordenada), autor mediato (quando uma utiliza outra para cometer o crime) ou, dependendo do caso específico, apenas um partícipe que deu a idéia do crime. É por isso que quando falamos em mandante é importante darmos o contexto da participação de cada um.